sexta-feira, 2 de abril de 2010

Padana e o observador - parte II


Padana, uma fêmea orangotango (Pongo pygmaeus) de 7 anos na época dos testes, sentia um prazer particular em brincar com o experimentador, o que permitia, entre um jogo e outro, realizar os testes sem muita necessidade de negociação extra. É claro que esse “brincar” às vezes interferia na realização dos testes e, por outro lado, nem sempre era claro pra mim se Padana configurava o próprio teste como um momento prazeroso.

Em uma ocasião, pelo menos, me dei conta que a diferença que eu fazia entre “teste” e “brincadeiras” não era fundamental para a dinâmica de minhas relações com Padana, e, sim, aceitar ou não as ações da jovem orangotango em ambas as situações que, para mim, eram distintas (significativas?): as brincadeiras e os testes. Eu realizava com Padana o Experimento 1 e um dos testes apresentava quantidades relativamente pequenas nos recipientes, 2-3 (razão de 0,7). Os recipientes foram abertos em condição simultânea: as unidades de ração estavam lá, à vista de quem quisesse ver. Mas Padana, que costumava acertar acima do mero acaso, apontou a quantidade menor. No linguajar que aprendi em minhas interações humanas (talvez com um pouco de “simiês”, a exemplo do que lamentavelmente fazemos com cachorros e crianças) caçoei da performance de Padana, e a reação veio em seguida, ou melhor, no teste seguinte.

Um par de recipientes com quantidades 2-1 foi aberto sequencialmente para a observação de Padana. Ostensivamente (ou seja, de modo notável para mim), ela desviou o olhar de cada recipiente aberto, e no momento da escolha, tocou com o dedo a quantidade “correta”. Após cumprimentos recíprocos, engajamo-nos em um demorado jogo de cobrança de pênalti: Padana se colocava no fundo do recinto, de costas contra a parede, e eu atirava uma uva, que ela tinha de agarrar (infelizmente os braços de um orangotango, mesmo jovem, são ágeis e imensos, e eu raramente conseguia fazer um gol).

A essa altura, uma queixa usual dos cientistas é a da antropomorfização: atribuir, a outros organismos, comportamentos pertinentes apenas ao humano. Mas se quero me referir àquilo que permite que Padana realize determinadas ações num dado momento - a sua emoção - a questão da antropomorfização é absolutamente secundária. É ao observar Padana assumir tais e tais disposições corporais que posso dizer que ela, por exemplo, poderá participar do experimento, ou, então, ela quer brincar. É claro que, na publicação acadêmica da pesquisa, nenhuma referência é feita a essas disposições e mudanças de disposições, a não ser em um aspecto: a ação de discriminar ou não entre quantidades. Mas isso é tomado como um atributo cognitivo, um representar o mundo de uma ou outra maneira (o que, inevitavelmente aponta para uma maneira correta e outra equivocada de efetivar essa representação).

Minha discussão aqui, no entanto, trata de algo bem diferente: não da representação, mas da configuração do mundo como um ato de conhecer. Nesse caso, o que é relevante é se aquilo que Padana faz, no momento em que faz, permite que ela realize o seu viver, ainda que esse comportamento seja necessariamente descrito por mim, pelo observador, e aceito como tal pela comunidade de observadores a que me dirijo. No próprio operar do organismo - no ato de conhecer - não há espaço para a distinção entre equívoco e erro, ainda que nós, observadores, possamos distinguir entre equívoco e erro ao descrever esse operar.

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