A onda de xenofobia anti-indígena que tomou conta do Brasil é compreensível. Nossas elites cultivam um nacionalismo peculiar, e volta e meia descobrem ameaças que servem na medida para propósitos bem menos dignos. Veja as defesas, à esquerda e à direita, da língua portuguesa, contra estrangeirismos de todo tipo. Agora, por exemplo, mobilizam-se forças e recursos para a reforma ortográfica que, argumenta-se, irá fortalecer nosso patrimônio na economia lingüística mundial.
Costumamos ser menos patriotas em relação às barreiras que estabelecemos dentro do próprio quintal. Segundo o último Ethnologue (o catálogo lingüístico internacional), falam-se no Brasil 200 línguas, o que, se não torna o país campeão em diversidade (é baixo o índice de falantes) dá-lhe um honroso 10º lugar em números brutos. São umas 180 línguas nativas (uns 150 mil falantes) e, pra não dizer que só falei dos índios, Libras, japonês, italiano e alemão são faladas, cada uma, por centenas de milhares de brasileiros.
Acontece que, oficialmente, aqui só se fala o português, um desastre para quem, por conta disso, é dificultado o acesso a serviços públicos, jurídicos, e outras burocracias. Mesmo usuários do português sofrem com a política lingüística. Tente passar em um concurso público utilizando a expressão “nós vai”. Essa é uma forma corriqueira em muitas variantes do português do Brasil, mas falar assim é falar errado, e não adianta nós, lingüístas, batermos o pé (se é que nos importamos com o mundo real).
Preconceito oficial, sendo oficial, não é preconceito. Você pode parar na cadeia se discriminar alguém pela cor, religião ou preferência sexual, mas é perfeitamente admissível (e obrigatório, em muitos casos) penalizar um brasileiro que não utilize o “português padrão”, mesmo que a maioria da população não domine esse precioso idioma. É claro, você pode perguntar se a “variante” de que falo não é, simplesmente, fruto da má educação. Ao que só posso rebater com três incômodas contra-perguntas: a) em que norma divina está registrada a variante correta do português (para a utilizarmos, com tanto rigor, contra seus não-usuários)?; b) onde foram parar os ideais de universalização da educação, proclamados por nossa elite condutora, desde o Império?; c) se não vamos mesmo universalizar a educação formal (e seu filhote, o português padrão), sua alternativa, ou seja, a valorização das culturas locais, tão na moda, é só para inglês ver?
Apesar dos avanços nos últimos governos - menção honrosa para Lula -, a população pobre (que, sabemos, é a maioria) continua duplamente penalizada: recebe a pior educação e, de outro lado, é barrada nos salões privê do português correto (que, sabemos, é onde está o dinheiro). Nacionalismo e patriotismo seriam palavras melhores se significassem inclusão dos brasileiros de carne e osso que aqui vivem, tenham olhos puxados, cabelos pixaim ou gramáticas populares.