para Juju
Há muitos e muitos anos, num tempo em que não existiam países, nem nomes de países, nem princesas, reis ou passaportes, havia uma aldeia em que as pessoas viviam felizes pero contentas, brincando juntas e partilhando os alimentos e os boizinhos de chuchu que faziam com perfeição. Um belo dia (ou nem tão belo assim), um homem, que era pra lá de doido, resolveu fazer uma cerca em volta da cabana dele, juntou todos os alimentos que estavam ali em volta da cabana dele (ele não sabia fazer boizinhos de chuchu) e até umas roupas velhas que ele costumava usar, e disse que tudo aquilo, de agora em diante, era “dele, só dele”.
As outras pessoas não entenderam nada dessa história das coisas serem “dele, só dele”, pois elas viviam felizes pero contentas, brincando juntas e partilhando os alimentos e os boizinhos de chuchu que faziam com perfeição, e, portanto, não entendiam como uma coisa podia ser “dele, só dele”. Mas como o homem era pra lá de doido, elas acharam o comportamento estranho dele perfeitamente normal e seguiram suas vidas. O problema é que sempre que um alimento ia parar perto da cabana do homem pra lá de doido, ele botava esse alimento junto dos outros e dizia que era “dele, só dele”. Até um boizinho de chuchu, que o homem pra lá de doido não sabia fazer mas estava dando sopa ali pelas imediações da cabana do malucão, acabou virando coisa “dele, só dele”.
A coisa começou a ficar séria quando mais da metade dos alimentos da aldeia acabou do lado de dentro da cerca do homem pra lá de doido. Ele, que era doido mas de bobo não tinha nada, se fartava de comer e comer, e começou a acontecer uma coisa diferente com as outras pessoas da aldeia: elas começaram a passar fome. Quando a situação chegou num ponto de dar dó, e as crianças choravam de falta do que comer (tiveram até que comer todos os boizinhos de chuchu, menos aquele que era do homem pra lá de doido), a aldeia reuniu o conselho de anciãos (que naquela época era formado por crianças dos 3 aos 303 anos), que resolveu enviar uma comissão (essa foi a invenção das comissões) pra conversar com o homem pra lá de doido.
Conversa dali e daqui, ficou acertado assim: todo alimento seria do homem pra lá de doido. Pra poder comer um pouquinho, a maioria das pessoas da aldeia teria que trabalhar (essa foi a invenção do trabalho) pro homem pra lá de doido, coletando os alimentos “dele”, limpando a cabana “dele”, lavando a privada “dele” (daí surge o nome “propriedade privada”), remendando a cerca “dele” e fazendo, com perfeição, boizinhos de chuchu “dele”. Uma minoria ia virar a polícia (essa foi a invenção da polícia) pra garantir que ninguém ia roubar merda nenhuma da propriedade privada do homem pra lá de doido.
Roubar? Sim, porque algumas pessoas da aldeia não tavam nem aí pra decisão da comissão formada pelo conselho de anciãos (que era formado por crianças de 3 a 303 anos) e preferiam continuar felizes pero contentas, e, quando era de noitinha e tava todo mundo dormindo, iam lá na cabana do homem pra lá de doido, furavam a cerca, pegavam um monte de comida e de boizinhos de chuchu, e ficavam comendo e brincando até o dia clarear.
Tavam inventados os ladrões!