Beto Vianna
Belo Horizonte, ou pelo menos suas classes muito médias, ávidas de arte e desfrute vanguardeiros, há muito se entristece de não ser nem uma coisa nem outra: de não ser o orgânico interior de Minas, fonte legitimadora da cultura da capital, e de não ser o Rio, Meca dionisíaca de mar, sal, sol e samba.
E há muito o carnaval é época de reacender essa tristeza. Cidade vazia dos moradores que rumam em bando para a rodoviária, e dali para o interior familiar, onde se revê a parentada da roça, onde se foge do carnaval (e da tristeza?) acampando e cachoeirando Minas afora, onde se pula o raizeiro carnaval de rua, engrossando os cordões da folia, os blocos sujos, os blocos caricatos, entoando as marchinhas de outros carnavais. Há aves mineiras migratórias que viajam pro Rio, brincando, na terra dos outros, o maior espetáculo da Terra. Há as que revoam para as praias do divino Espírito Santo, litoral sabidamente mineiro, se não geograficamente, ao menos de corpo, sundown e alma.
A Belo Horizonte do ano de 2011 (com antecedentes importantes nos anos anteriores, é preciso dizer) viveu uma reviravolta em tudo isso. Sim, a rodoviária continua se abarrotando de gente no carnaval. E agora de gente chegando quase tanto quanto de gente saindo. A cidade reencontrou o carnaval de rua, reencontrou o samba, a música, a alegria. E nem foi preciso beber lá fora (na folia carioca) ou aqui dentro (no interior festeiro): Belo Horizonte renasceu para uma cultura que sempre teve. Pois mineiro, apesar do devaneio diferentista divulgado por nossos políticos e literatos, é, antes de tudo, brasileiro. E Belo Horizonte, quando resolve parar de se esconder atrás das montanhas, é uma cidade do Brasil.
A cidade jardim reencontrou as marchinhas, da mesma cor e sabor daquelas entoadas nestas terras há tanto tempo (nos anos 30? 40?), a crítica social, a crítica política, de costumes (e que costumes!), o humor mordaz e a zombaria matreira, ingredientes básicos, tanto quanto o samba e a poesia, do grito de carnaval. À tradicional família mineira, aos nossos escorregadios governantes e acochambrados parlamentares, à nossa valorosa polícia militar, nada resta a não ser escutar o dedo carnavalesco apontando as mazelas: o folião mascarado desmascarando um sistema que dá motivo pra tanto riso.
Fantasiada, ou com pouca ou nenhuma roupa, lá veio Belo Horizonte descendo a ladeira, e as praças foram do povo, como o céu é do avião. Nem adiantou cercar, nem adiantou cercear. Ou adiantou, sim, pois quanto mais as fatias tacanhas da nossa sociedade fantasiaram motivos pra murchar a festa, só fizeram aumentar o cordão (tem cada vez menos gente se guardando pra quando o carnaval chegar): viraram musas. Como alguém deve ter dito por aí, quando o espaço público é um privilégio, ocupar é um direito. No auge da mais quente estação, só faltava Belo Horizonte ter praia. Não falta mais.
Publicado em O Tempo, 15/02/12
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