sexta-feira, 2 de abril de 2010

Padana e o observador - parte I


Os experimentos de que participei em Leipzig fazem parte da indagação, no contexto da psicologia comparada, sobre as habilidades contábeis dos grandes símios não-humanos. Eram apresentados dois recipientes com quantidades distintas de ração aos sujeitos, que “acertavam” ao tocar com o dedo (às vezes a língua) o recipiente com a maior quantidade. Em qualquer circunstância, o prêmio era o conteúdo do recipiente escolhido. Presumindo que os símios de fato preferem a quantidade maior, e apesar da advertência de que a pesquisa não objetivava “avaliar a competência numérica (...) dos sujeitos” (HANUS e CALL, 2007, p. 248), não há dúvidas de que perguntar pela habilidade de discriminar quantidades em uma classe de organismos, é perguntar por uma característica comum a toda essa classe. No caso, trata-se explicitamente uma capacidade cognitiva que pode ou não “ser possuída” pelos grandes símios não-humanos, e passível de investigação experimental.

Uma variável do experimento é a “grandeza” das quantidades: os recipientes podiam conter 2 e 3 unidades, ou, digamos, 7 e 10. E de fato, para a maioria de nós, a conta costuma ficar mais difícil quando envolve mais unidades. Podemos estimar quantidades pequenas sem contar item por item, mas por um processo de “percepção global”, ou subitizing, em inglês (HANUS e CALL, 2007). Além de um certo montante, porém, esse sistema deixa de funcionar, tanto para humanos quanto para outros organismos.Além da grandeza, a diferença e a razão entre os montantes também interferem na comparação entre quantidades. Os pares 2-4 e 8-10 possuem diferenças semelhantes (2) e razões distintas (0,5 e 0,8), ao passo que 2-4 e 4-8 possuem a mesma razão (0,5) e “diferenças diferentes” (na pesquisa, constatou-se que o aumento da razão era o grande fator de diminuição dos “acertos”). No Experimento 1, as unidades eram apresentadas em conjunto, em recipientes rasos, e no Experimento 2, a unidades eram “pingadas” uma a uma, à vista do sujeito, em um copo opaco. No Experimento 1 havia duas condições de apresentação: os recipientes eram apresentados abertos, simultaneamente, ou seja, o sujeito podia checar o conteúdo dos recipientes na hora de escolher; ou os recipientes eram abertos sequencialmente e apresentados fechados para a escolha, ou seja, era preciso lembrar o que se viu para decidir.

Podemos imaginar que é mais fácil discriminar objetos bem à nossa frente do que operar sobre algo distante da percepção imediata. Pensamos, além disso, que a “ausência de linguagem” deve impor um limite adicional à capacidade de representar realidades não percebidas aqui e agora. Mas os resultados da pesquisa não mostram nenhuma diferença significativa entre as condições simultânea e seqüencial, o que, segundo os autores, confirma “dados anteriores mostrando que símios são capazes de discriminar entre quantidades mesmo impedidos de ver ambas as quantidades simultaneamente” (ver HANUS e CALL, 2007, p 244; tradução e ênfase minhas). Ou seja, cognição parece ter a ver com a uma capacidade que se possui ou não, e em um nível maior ou menor de complexidade dependendo da classe de organismos a que se pertence, mesmo que isso dependa de uma interação do organismo com os dados do mundo (ver ou não ver as quantidades simultaneamente; distinguir entre quantidades maiores e menores). Mas é desse jeito que funcionamos como organismos?

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